terça-feira, 10 de junho de 2008

de: Ana

( this text will be translated to English as soon as possible )

O seguinte texto é uma carta em que o remetente se intitula de Ana , a personificação da Anorexia atribuida pelos que sofrem da doença. Retrata as alterações da rotina e a nivel psicologico , assim como o impacto no quotidiano daqueles que a têm como ' amiga ' . A realidade com que somos confrontados ao ler este texto impressiona em parte pelas verdades que sabemos acontecerem por as termos observado em alguém nessa situação , por outra só conseguimos pensar: ' como é possível? '
( o autor é desconhecido )



"Querida Leitora,

Permita-me apresentar-me. Meu nome, ou como sou chamada, pelos também chamados ‘doutores’ é Anorexia. Anorexia Nervosa é o meu nome completo, mas podes chamar-me de Ana. Felizmente podemos tornar-nos grandes parceiras. No decorrer do tempo, eu vou investir muito tempo em ti, e eu espero o mesmo de ti.

No passado ouviste os teus professores e pais falarem sobre ti. Diziam que eras tão madura, inteligente, e que tinhas muito potencial. E eu pergunto, aonde tudo isso foi parar? Absolutamente a lugar algum! Tu não és perfeita, não tentas o bastante! Perdes muito tempo a pensar e a falar com amigos! Logo, esses actos não serão mais permitidos. Os teus amigos não te entendem. Eles não são verdadeiros. No passado, quando inseguramente lhes perguntas-te: - Estou gorda? - E eles te disseram: - Não, claro que não! Tu sabias que eles estavam a mentir!

Só eu digo a verdade! E sem falar nos teus pais! Tu sabes que eles te amam e se importam contigo, mas uma parte é porque eles são pais, e são obrigados a isso. Eu vou contar-te um segredo agora: bem no fundo, eles estão desapontados contigo. A filha deles, que tinha tanto potencial, transformou-se numa gorda, lerda, e sem merecimento de nada!

Mas eu vou mudar isso.

Eu espero muito de ti. Não tens permissão para comer muito. Eu vou começar devagar: diminuindo a gordura, lendo tabelas de nutrição, cortando doces e fritos, etc. Por um tempo os exercícios serão simples: corridas, talvez exercícios localizados. Nada muito sério. Talvez percas alguns quilos, tire um pouco de gordura deste teu estômago gordo! Mas não irá demorar muito até eu te dizer que não está bom o suficiente.

Eu vou-te fazer diminuir calorias consumidas e vou aumentar a carga dos teus exercícios. Eu vou forçar-te até ao limite! Eu preciso fazer isso, pois não podes derrotar-me! Eu vou começar a colocar-me dentro de ti. Logo, eu já vou estar lá. Eu vou estar lá quando acordares de manhã, e correr para a balança. Os números começam a ser amigos e inimigos ao mesmo tempo, e tu, em pensamento rezas para que eles sejam menores do que ontem à noite. Olhas no espelho com enjoo. Ficas enjoada quando vês tanta banha nesse teu estômago, e sorris quando começam a aparecer os teus ossos. E eu estou lá quando pensas nos planos do dia: 400cal e 2h de exercícios.

Sou eu quem faz esses planos, pois agora os meus pensamentos e os teus pensamentos estão juntos como um só. Eu sigo-te durante o dia. Na escola, quando a tua mente sente vontade, eu dou-te alguma coisa para pensar! Recontar as calorias consumidas do dia. Elas são muitas. Eu vou encher a tua cabeça com pensamentos sobre comida, peso e calorias. Pois agora, eu realmente estou dentro de ti. Eu sou a tua cabeça, o teu coração e a tua alma. As dores da fome, que finges não sentir, sou eu dentro de ti!

Logo, eu não te vou dizer o que fazer com a comida, mas o que fazer o tempo todo! Sorri, apresenta-te bem. Diminui esse teu estômago gordo! Quando as horas das refeições chegarem, eu vou te dizer o que fazer. Quando eu fizer um prato de alface, será como uma refeição de rei! Empurra a comida envolta, faz uma cara de cheia...Como se já tivesses comido! Nenhum pedacinho de nada...Se comeres, todo o controle será quebrado...E queres isso? Ser novamente aquela gorda que eras? Eu forço-te a ver uma revista de modelos. Aquele corpo perfeito, magro, dentes brancos, essas modelos perfeitas encaram-te pela página da revista! E eu faço-te perceber que nunca serás uma delas. Tu sempre serás gorda, e nunca vais ser tão bonita quanto elas! Quando olhares no espelho, eu vou distorcer a tua imagem, e mostrar-te uma lutadora de sumo, mas na verdade existe apenas uma criança com fome. Tu não podes saber a verdade, pois se souberes, podes começar a comer de novo e nossa relação pode vir a cair, e destruir-me!

Às vezes vais ser rebelde. Felizmente não com muita frequência. Vai reforçar aqueles últimos pensamentos, e talvez entrar naquela cozinha escura! A porta vai abrir-se devagar, vais abrindo a porta do armário e colocando a mão naquele pacote de biscoitos, e vais simplesmente engoli-los, sem sentir gosto nenhum na verdade, vais fazer isso pelo simples facto de estares a ir contra mim. Procuras por outra caixa de biscoitos, e outra e outra.

O teu estômago está cheio de massa e gordura, mas não vais parar ainda. E eu vou estar o tempo todo a gritar para que pares. Tu realmente não tens controle, vais engordar!

Quando isso acabar, virás desesperada para mim de novo, vais pedir-me conselhos porque não queres ficar gorda! Quebraste uma regra, comeste, e agora queres-me de volta. Eu forçar-te a ir à casa-de-banho, ajoelhada e a olhar para a sanita! Os teus dedos vão para dentro da tua garganta, e com uma boa quantidade de dor, a comida vai sair toda sair. Vais repetir isso várias vezes, até que cuspas sangue, e saibas que toda aquela comida se foi! E quando te levantares, vais sentir tonturas. Não desmaies! Fica em pé agora mesmo! Tu mereces sentir dor!

Talvez a escolha de te fazer ficar cheia de culpa vai ser diferente. Talvez eu escolha fazer-te encher de laxantes, e ficares sentada na sanita até altas horas da manha a sentir o teu estômago revirar. Ou talvez eu faça com que te magoes, bater a tua cabeça contra a parede, até sentires uma dor de cabeça insuportável! Cortar também. Eu quero ver sangue, quero vê-lo ele cair sobre o teu braço, e naquele segundo, vais perceber que merece qualquer tipo de dor que eu te dou! Vais ficar deprimida, obcecada, com dores e ninguém vai reparar.

Eu faço coisas que apenas te vão ajudar! Eu vou fazer com que seja possível parar de pensar em emoções que te causam stress. Pensamentos de raiva, tristeza, desespero e solidão podem ser anulados, pois eu vou tirá-los de ti, e encher a tua cabeça com contas metabólicas de calorias. Vou tirar-te a vontade de sair com pessoas da tua idade, e tentar agradar todos eles. Pois agora eu sou a tua única amiga, eu sou a única que precisas agradar!

Mas nós não podemos contar a ninguém. Se decidires o contrário, e contares como eu te faço viver, todo o inferno vai voltar! Ninguém pode descobrir, ninguém pode quebrar esta concha que eu tenho construído contigo! Eu criei-te, magra, perfeita, minha criança lutadora! Tu és minha, e só minha! Sem mim, não és nada! Então, não me contraries. Quando outras pessoas comentarem, ignore-os! Esqueça-os, esqueça todos que me querem fazer ir embora. Eu sou o teu melhor apoio, e pretendo continuar assim.


Com sinceridade.

Ana

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